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TERREIRO ILÊ ASÉ DANA DANA É DECLARADO DE UTILIDADE PÚBLICA

TERREIRO ILÊ ASÉ DANA DANA É DECLARADO DE UTILIDADE PÚBLICA

 

O Terreiro Ilê Asé Dana Dana, fundado em 1972, em Caetité, foi declarado de Utilidade Pública em votação unânime na Câmara Municipal no dia 7 de novembro.

O ato reflete a maturidade política dos vereadores e do Executivo caetiteenses e pode ajudar a dar fim a uma história, que segue até hoje, de lutas e de incompreensões, inclusive do Ministério Público e Judiciário.

 

UMA SAGA EM BRANCO E PRETO

 

 

Fundado em 1972, o Terreiro Ilê Asé Dana Dana nasceu, sob a égide dos escrúpulos branquizoides, com o nome de Centro Espírita Rita Irlanda de Carvalho Teixeira, em homenagem a senhora branca muito conceituada na sociedade local e que fora vítima do primeiro acidente automobilístico da Cidade, em situação funcionalmente similar à da curiosa denominação de Centro Espírita de Umbanda São Jorge, em Guanambi, só recentemente alterada.  

Buscavam as religiões de matriz africana, por essa época, em todo o Brasil, o abrigo “legitimador” pelo Espiritismo (na verdade, pelos espíritas), mesmo se submetendo a uma influência europeizante, que foi mais ou menos bem sintetizada por Roger Bastide: “o espiritismo de Allan Kardec aceitará muitos mulatos e muitos negros em seu seio, mas sob a condição de que eles recebam os espíritos dos brancos”. (As religiões africanas no Brasil. São Paulo: Livraria Pioneira Editora, 1971, p. 438.)

Sob essa fachada “branca”, ainda que com forte presença negra na história de Caetité, o Terreiro Ilê Asé Dana Dana obteve facilidades, a exemplo da doação, em maio de 1975, do imóvel onde está situado, pelo então Prefeito Janir Aguiar. Em dezembro do mesmo ano, foi declarado de utilidade pública pelo governador Roberto Figueira Santos.  Com essa configuração, não era então  alcançado pela famigerada Lei baiana de n. 3.097, de 29 de dezembro de 1972, que vigorou até 1976, quando foi revogada pelo mesmo Roberto Santos, a qual obrigava as sociedades de culto afrobrasileiro a se registrarem na Delegacia de Polícia da circunscrição e pagamento de taxa para obtenção de licença.

Apesar do aprisionamento à denominação de Centro Espírita Rita Irlanda de Carvalho Teixeira, aí se praticavam rituais de candomblé, como registra na memória Taynah Scislewski, profitente e membro da diretoria da entidade, que salienta a existência de registro documental feito no livro de ata instituído em 8 de outubro de 1978, sob a presidência de José Virgilino Nogueira, ao fazer alusão a instrumentos sonoros próprios da liturgia do Candomblé.

 

O ASSÉDIO JURÍDICO

 

O martírio do Terreiro inicia-se quando ele passa a afirmar explicitamente sua identidade candomblecista, possuidora de forte herança cultural e permanente gestão de valores ligados à autoestima do negro numa sociedade que lhe tem sido adversa.

Essa identidade é fruto da resistência gigantesca do líder religioso do Ilé Asé Danadana, Marco Venício Alcântara Viana, Babalorixá Marcos T’Odé, que assumiu a liderança a partir de 2002, sendo eleito presidente em 2004.  Já sua sob sua presidência efetiva, em 2008, ocorre reforma estatutária, que altera o nome da organização de Centro Espírita Rita Irlanda de Carvalho Teixeira para Associação Ilê Asé Dana Dana.

Sob sua influência de afinação candomblecista e por sua condição de negro e homossexual, começou a intolerância religiosa abusiva, mais salientemente patrocinada por um vizinho de nome Clarismundo Carvalho, que prestou ocorrência na Delegacia de Polícia local sob o fundamento de desordem e perturbação do sossego público.

Carvalho, melhor observando, era a fachada sob a qual passava a se esconder a hostilidade, inclusive de instituições, a julgar pela facilidade com que ele seguidamente foi mobilizando órgãos públicos na sua cruzada de intolerância. 

Inicialmente,  promoveu reclamação na Gerência de Cultura de Caetité, que foi até o local com decibelímetro testar se havia abuso sonoro e lavrou o Parecer n° 01/2008, concluindo não haver qualquer excesso.

Mesmo com essa constatação, o Gerente de Cultura mobilizou-se para que o Terreiro aceitasse limitações nas suas atividades, que ficaram assim estipuladas: Mês de abril: Festa de Ogum com toque de atabaques em dois horários: pela manhã, entre nove e dez horas com duração de meia hora e a noite entre dezenove e vinte e uma horas com duração de duas horas. No mês de junho: Festa de Xangô com toque de atabaques em dois horários: pela manhã, entre nove e dez horas com duração de meia hora e a noite entre dezenove e vinte e duas horas com duração de três horas. No mês de setembro: Festa de Ibeji com toque de atabaques em dois horários: pela manhã, entre nove e dez horas com duração de meia hora e a noite entre dezenove e vinte e uma horas com duração de uma hora. No mês de dezembro: Festa de Yansã com toque de atabaques em dois horários: pela manhã, entre nove e dez horas com duração de meia hora e a noite entre dezenove e vinte e uma horas com duração de duas horas. Saídas de Yawô a partir das dezenove horas com duração de meia hora.

A partir daí, ainda que oprimido, o Terreiro começou a sofrer sistemáticas e persistentes mobilizações jurídicas hostis à sua própria existência na base espacial que ocupa, num assédio pela máquina do sistema de justiça (Ministério Público, Judiciário e Polícia) jamais vista, pelo menos no interior da Bahia após o advento da Constituição de 88, que assegurou a liberdade religiosa como direito fundamental. 

Atrás do disfarce do discurso jurídico, havia tanto o preconceito para com homens e mulheres negros e para com a presença de integrantes homossexuais, todos adeptos do Candomblé, quanto a cobiça pela valorização territorial que o imóvel ganhou com o crescimento urbano da Cidade.

Em 2008 foi proposta, por José Virgilino Nogueira, ex-presidente da entidade quando estava sob a denominação de Centro Espírita Irlanda Teixeira, ação de reintegração de posse de força velha com pedido de tutela antecipada (autos 1824425-7).

Em 1º de outubro de 2009, assediado por pedras atiradas pelo vizinho Clarismundo Carvalho, que danificaram o telhado, o Babalorixá registrou Boletim de Ocorrência na 22° CRPN Caetité. Carvalho mobilizou então o Ministério Público na Cidade, que, no âmbito do procedimento 682.0.194823/2009, que teve por objeto apurar denúncia de possível dano ambiental, causado por poluição sonora, decorrente da utilização de instrumentos sonoros (adjás e atabaques) pelo Terreiro, concluiu que “os fatos narrados não configuram lesão aos interesses coletivos ou difusos”.

Não satisfeito, Clarismundo Carvalho ingressou, em 2010, com representação criminal que deu lugar à ação penal n° 0001024-91.2010.805.0036, movida pelo Ministério Público  perante a Vara Criminal de Caetité, acusando o Babalorixá de prática de crime ambiental pela utilização de instrumentos sonoros como Adjás e Atabaques.

Em 16 de Junho de 2011, a Prefeitura, instada por interesses particulares, move ação de reversão, com pedido de liminar, a pedido do antigo presidente, José Virgilino Nogueira. Na inicial, subscrita pelo Assessor Jurídico do Município, Élcio Nunes Dourado, é afirmado que o Terreiro  fere os princípios da legalidade, da moralidade e da eficiência na administração pública.

Em 31 de outubro de 2011, aconteceu audiência de instrução, na Vara criminal, no âmbito da ação penal 0000579-73.2010.805.0036, com base no art. 54, caput, da Lei n° 9.605/1998. O Promotor de Justiça ofereceu, como proposta de suspensão do processo, que o Centro realizasse apenas um ensaio mensal, aos sábados das 18h às 21h, e seis sessões anuais. Além disso foi imposto que o Pai de Santo comunicasse, por escrito a Clarismundo Carvalho, com quinze dias de antecedência, a realização de cada uma das atividades permitidas.

 

AVALIAÇÃO CRÍTICA DO ASSÉDIO JURÍDICO

 

Fora do âmbito de algumas ações judiciais, que foram julgadas improcedentes pelo Juiz José Eduardo Brito, ficou o rescaldo da atuação desonrosa do Ministério Público. Antes de mais nada, a imputação penal é absolutamente estapafúrdia e fora de esquadro jurídico, pois, a não ser por intolerância institucional, não se pode dizer que liturgia de Candomblé equivalha ao art. 54 da Lei 9.605/1998, que tipifica como crime outra conduta totalmente diversa, qual seja, a de “causar poluição de qualquer natureza em níveis tais que resultem ou possam resultar em danos à saúde humana, ou que provoquem a mortandade de animais ou a destruição significativa da flora”.

Ainda que se admitisse a adequação da NBR 10.152, que determina que o nível de ruído em igrejas e templos deve ser de, no máximo, 50 decibéis, isso poderia, no máximo, dar lugar a uma ação cível, jamais a uma criminalização.

Basta lembrar que o art. 59, do Anteprojeto da Lei 9.605, que previa o crime de “produzir sons, ruídos ou vibrações em desacordo com as prescrições legais ou regulamentares, ou desrespeitando as normas sobre emissão ou imissão de ruídos e vibrações resultantes de quaisquer atividades”, foi vetado pelo Presidente da República, na época Fernando Henrique Cardoso, por pressão da banca evangélica.

Mas é intolerável que o veto pareça só servir para salvaguardar os cultos evangélicos, sobretudo neopentecostais. No caso do Terreiro, fica a nítida impressão de que a limitação de dias nada tinha a ver com a sonoridade produzida, mas com os cultos em si.

O que se esperava do Ministério Público é que ativasse o art. 72 da Lei Orgânica do Ministério Público do Estado da Bahia, que prevê “a proteção dos interesses individuais indisponíveis, difusos e coletivos, relativos às comunidades indígenas, à família, à criança, ao adolescente, ao idoso, às minorias étnicas”, conceitos inteiramente presentes em se tratando dos integrantes do Ilê. 

Uma sensibilidade jurídica mediana já era suficiente para, na observação do histórico de ações judiciais contra um líder religioso candomblecista negro e homossexual, verificar que, além da questão religiosa difusa e indisponível, que é protegida constitucionalmente, estava em jogo um assédio ao longo de anos e sem precedente na história recente da região, incapaz de ser suportado sem traumas emocionais por alguém desassistido de qualquer proteção jurídica.

Faltou sensibilidade mínima para perceber que, sem recursos financeiros, o Babalorixá não teve assistência jurídica (com exceção do processo penal, em que foi representado gratuitamente pelo advogado Daniel Castro, movido contra Clarismundo Carvalho) à altura dos altos valores constitucionais em jogo na defesa do Terreiro. Premido por sequências de ações judiciais, viu-se coagido (este é o termo) a aceitar condições espúrias, que, na melhor técnica jurídica, são inexistentes, pois, mesmo que absurda e improvavelmente tivesse voluntariamente concordado, ele jamais poderia dispor da amplitude de um patrimônio imaterial como é um culto religioso.  

A Constituição, além da liberdade religiosa erigida como garantia fundamental do Estado Democrático, diz expressamente, no seu art. 216, que "constituem patrimônio cultural brasileiro os bens de natureza material e imaterial, tomados individualmente ou em conjunto, portadores de referência à identidade, à ação, à memória dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira, nos quais se incluem: I - as formas de expressão; II - os modos de criar, fazer e viver". Este que devia ser o foco do Ministério Público comprometido com suas finalidades orgânicas. 

O amparo que faltou dessa instituição, que tem um desenho constitucional de defesa da ordem democrática, foi felizmente contrabalançado pelo apoio advindo da atuação proativa da UNEB.

 

UNEB NO TERREIRO

Na busca por provar sua legitimidade como ator social, o Terreiro tem buscado parcerias para fortalecer ainda mais seu papel cultural e social, trazendo atividades para seu espaço. Para isso tem sido de fundamental importância o papel desempenhado pela UNEB no que diz respeito aos saberes e aos direitos de liberdade religiosa.  

Várias sequências de atividades nessa dimensão foram empreendidas a partir sobretudo de 2014 com esse apoio institucional da Universidade no objetivo de realizar ações públicas que fortaleçam os praticantes de cultos afro-brasileiros e que contribuam para desmistificar e diminuir o preconceito e a discriminação em Caetité.

 

MOBILIZAÇÃO JURÍDICA DA PROBUS

 

Após o recebimento dos dados de toda a história de opressão vivida pelo Terreiro Ilê Asé Dana Dana, o Presidente da PROBUS, o advogado e Professor da UNEB, Eunadson de Barros,  prometeu mobilizar esta entidade de Docentes e Discentes para intervir, através do instituto de “amicus curiae”, em todos os processos que ainda restam no Judiciário.

Barros já atuou na defesa do Terreiro de Axé Ilé Cicongo Roxo Mucumbe de H’Anzambi, situado em Guanambi, contra a Bahia Mineração. Nessa ação, foi julgada procedente a ação de reintegração de posse movida pelo Terreiro contra a corporação de minério, que teve que desocupar o terreno dos cultos, considerado sagrado, que ela afirmava estar nos seus domínios territoriais.

Também agiu na defesa do Centro de Umbanda São Jorge para legalização do imóvel, que está situada em área imobiliária muito valorizada em Guanambi.

 


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