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AOS AMIGOS OS FAVORES, AOS INIMIGOS A LEI

AOS AMIGOS OS FAVORES, AOS INIMIGOS A LEI

AOS AMIGOS OS FAVORES, AOS INIMIGOS A LEI

 

Gildeci de Oliveira Leite (UNEB)

Escritor e Professor da UNEB

 

Nos anos 1990, uma prestigiada professora de língua italiana contava-me, revoltada, sobre a perseguição sofrida por sua família em um bairro de Salvador na década de 1960, após 1964, piorando a partir de 1968. A língua falada por seu pai, italiano, soava estranha a um determinado vizinho, que jurava ser o estrangeiro um comunista, por isso deveria ser preso. O vizinho não tinha provas, mas tinha a convicção de que aquele senhor seria um perigo à nação brasileira. Para desinformados e desinformadores, comunistas eram e são perigosos comedores de criancinhas, sem falar desse tal combate ao acúmulo de bens e da luta pela igualdade entre os povos.

Ouvia a professora estupefato! Aquela audição alimentava em mim o sentimento de que trilhava o caminho certo no movimento estudantil e nas lutas contra as ameaças do príncipe da privataria, Fernando Henrique Cardoso. Em 1995, iniciava-se o combate para impedir as privatizações, também, das universidades. Tínhamos estudado história para além de leituras da revistinha da Mônica, digo isso sem depreciação a Maurício de Sousa. Li Brasil Nunca Mais e fiquei mais convencido da luta, quando, por coincidência, adentrei a sala de aula de uma outra professora, que desabou ao após saber o que eu estava lendo. Ela pediu que eu abrisse em uma determinada página, lá encontrei o nome do irmão dela, desaparecido político, um velho amigo de Haroldo Lima. A violência denunciada em Brasil Nunca Mais é estarrecedora.

As lembranças da ditadura pareciam de um tempo que nunca mais voltaria. Conheci pessoas com a capacidade pulmonar e cardíaca reduzidas, sofreram até afogamentos em vasos sanitários. Uma mulher, visivelmente abatida pela pouca saúde, mas que nunca parou de lutar, era mais um retrato de vítimas de opressores, subservientes ao grande capital estrangeiro. Na atualidade, uma moça perdeu um olho em São Paulo e pessoas são presas por protestarem. Líamos, debatíamos, assistíamos a filmes, sabíamos de histórias como as de Marighella e de Lamarca, éramos crentes que seriam tempos que não voltariam mais. Pensávamos que tínhamos provas e convicções para eternos tempos democráticos, pois o grande capital respeitaria o estado de direito, teríamos saído dos tempos de coronéis e generais.

Nos mantínhamos na luta, sabíamos e ainda sabemos que alguns momentos de informação crítica eram e são facilmente desfeitos por 24 horas de alienação midiática, uma militância árdua. Conquistamos os governos Lula e Dilma, nos deixaram sonhar, nos deixaram felizes e até crentes da conciliação de classes. De repente, anunciam que querem tudo de volta, tudo só para eles, com a maior parte para uma pretensa superioridade do capital estrangeiro. Lembro do pai da professora de italiano, considerado perigoso, pois poderia ter sido um discípulo de Gramsci: era estrangeiro, mas era pobre. O que importava e importa para opressores era e é o exercício do poder de punir; as provas não importam.

Aqui não se trata de fomentar uma briga etnocêntrica, mas de querer uma globalização com respeito aos povos, ao local, aos glocalismos e com uma usura comedida por parte do grande capital. Já sei o que alguns devem dizer: quanta conversa fiada, repetida, coisa de petista, pcdobista, socialista, comunista. Vejamos que as bandeiras nem sequer beiram o pedido de uma revolução marxista: queremos paz com saúde, voz, cultura, comida, dignidade e arte. Mas como ter paz se o censor apoiado pelo AI5 foi definitivamente substituído pelas 24 horas de mídia e por segmentos de operadores do Direito, subalternizados ao poder econômico?

Olha, Lima Barreto tem razão quando afirma que “a imprensa é o quarto poder fora da esfera da constituição”, mas ver operadores do Direito tão subalternizados à imprensa é deprimente. O pior é que esta subalternização possui ao menos duas categorias. A primeira seria aquela que, consciente dos crimes cometidos, e das jurisprudências absurdas criadas, agradece à imprensa pela proteção, pelos caríssimos convites para palestras, aulas, pesquisas ou coisas parecidas, uma legalizada recompensa. A outra categoria de operadores do direito é aquela dos idiotizados, que batem palmas para tudo que quer a imprensa, concorda com tudo, defende todas as atrocidades contra a democracia, o estado de direito e, ainda, como a categoria anterior, bate no peito se dizendo honesto, inteligente e nacionalista. Podem existir outras categorias e possibilidades de variações de todas ou de quase todas elas: lesa pátria. Há operadores do Direito dignos da profissão; a esses, minhas homenagens!

No final das contas, somos nós que pagamos a conta e se um de nós resolver praticar a desobediência civil, poderemos ser cassados ou caçados, a depender da situação. Mas a história, senhoras e senhoras, para além de revistinhas em quadrinho, não será contada somente em futuros tempos de democracia, com a esperança de que os tempos de hoje, que serão ontem, nunca voltarão. Estamos contando a história agora e apostem que o devir será surpreendente a todos os que querem relegar o País ao atraso e à miséria em troca de migalhas do capital!

 

 

* Foto de Gildeci Leite por Marcelo Delfino


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